Você não é um fardo - Liability

 

Lorde é uma cantora e compositora neozelandesa, é  fenomenal em suas músicas e é daquelas artistas pra gente acompanhar o trabalho e amar. Se você nunca ouviu, pode clicar aqui para escutar e conhecer mais.

Ela acabou de lançar uma música nova que me tocou muito; 'Liability' que significa 'fardo' em português.

Dá play pra ouvir:



O que me intrigou na música foi o fato da Lorde retratar um sentimento que me é muito familiar, é uma coisa que eu já senti muitas vezes e aposto que muitas outras mulheres também compartilham do mesmo sentimento.

Você sentiu que é difícil de ser amada? Já achou que o outro teria que se esforçar demais para conseguir aceitar e amar você? Sabe um sentimento de ser pesada, inadequada de alguma forma?

Acredito que sim, mas pode ser que você nunca tenha parado para pensar nisso e acredito que além da falta de incentivo para esse tipo de reflexão, nossos esforços quase sempre estão voltados para a conquista do amor do outro; muito para o outro, menos para nós mesmas.

Pode estar um pouco confuso porque esses sentimentos não são simples, eles são frutos de uma série de estímulos nocivos que recebemos durante a vida, mas vamos ver a letra.

Lorde já começa a música narrando como ela se sente intensa demais ou como fazem ela se sentir.
É como se ela se culpasse pelo fracasso, porque no geral esse é o script do fim da maioria dos relacionamentos; tem sempre uma mulher que foi algo demais ou de menos, que fez algo que não devia ter feito; a responsabilidade quase sempre recai sobre ela.

'Meu amor realmente me magoou
Estava chorando no táxi Ele não quer me conhecer
Diz que cometeu o grande erro
De dançar na minha tempestade
Diz que foi veneno'

'Eles dizem
Você é um pouco demais para mim
Você é um fardo Você é um pouco demais para mim

Eu entendo, sou um fardo
Te deixo louco, te faço ir embora
Sou um pouco demais para todo mundo'

Como se a gente tivesse tentando se equilibrar em uma corda bamba onde há limites que não podem ser ultrapassados, como no sexy sem ser vulgar;  como estar maquiada demais ou de menos, ter muito ou nenhum sucesso na carreira profissional, tem sempre um meio termo onde mulheres não podem 'ser demais' porque assustam e não podem ser 'de menos' porque não atraem o interesse masculino.

Você pode ser sexy, mas nunca vulgar. Escolher não ser sexy também é ruim, entendeu?

Pode gostar de se divertir, mas sem exageros. E amar maquiagem mas é preciso usar discretamente: homem não gosta de mulher muito maquiada (é o que ouvimos por aí).

Tudo isso, todos esses esforços são em função do outro, de atrair a atenção, admiração e amor do outro, e quando estes limites são ultrapassados você paga um preço alto.

De fato, há essa construção: somos ensinadas desde muito pequenas a cuidar, a almejar o amor, querer o casamento com um homem como em um conto de fadas. Somos as princesas em perigo esperando por um príncipe salvador.

Lorde também expressa o quanto é difícil ser uma mulher que é considerada como "demais", que tem uma carreira de sucesso e é dona de si.

'A verdade é que sou um brinquedo
Que as pessoas curtem
Até que nenhum dos truques funcione mais
E então eles se entediam comigo
Eu sei que é excitante
Correr pela noite, mas
Cada verão perfeito
Está me devorando viva, até que você vai embora
Estou melhor sozinha'


De novo uma sensação familiar; a de ser uma distração e de não poder cobrar responsabilidade afetiva dos parceiros. É muito comum ver mulheres com medo de ligar pra não parecer uma cobrança ou para não parecer que se espera algo mais.

Cobrar responsabilidade afetiva é assustador, esperamos as migalhas, os pequenos sinais porque não podemos expressar nossa intensidade. Nada pode soar como cobrança e então jogamos o jogo do 'fingir que não nos 'importamos'; não ligamos, não falamos sobre o que sentimos, não cobramos do outro a responsabilidade que deveria existir em qualquer relacionamento. 

Por medo de afastar a pessoa, a gente escolhe pagar o preço de não cobrar e de não se expressar. 

E quanto esse jogo nos 'devora vivas'? 

'Então acho que vou para casa
Para os braços da garota que amo
O único amor que eu não arruinei
Ela é tão difícil de agradar
Mas ela é uma fogueira na floresta
Eu faço meu melhor para agradá-la
Romantizo, nós dançamos devagar
Na sala de estar, mas isso tudo é estranho
Poderia parecer
Seria uma garota balançando sozinha'

Esse trecho me faz chorar, mas é tão bonita essa declaração de amor.

Vejo essa declaração como algo que todas nós deveríamos fazer por nós mesmas. voltar nossos esforços para nós mesmas para nossos sonhos, carreiras, estudos. 'Só pra variar' a gente deveria acariciar nosso próprio rosto e dançar.

Exercitar amor próprio e se afastar de quem nos faz sentir que é difícil ser amada, de quem nos faz sentir que somos um fardo.